esquecer

há como se dizer tudo? parece haver um pouco mais a dizer depois de longas exclamações... apenas reter o que se engole não significa se nutrir, é preciso também digerir e esquecer. respirar é colocar para fora. escutar e lembrar sem limites acaba sendo nutrição vazia. colocar para fora é um início. há como se dizer tudo? por mais que eu respire, sempre parece que não foi o suficiente. como se a palavra não desse conta da possibilidade: mal sai de mim e já é preciso outra que tente preencher o silêncio deixado pela anterior. nunca consigo. como se o silêncio me assustasse. como se a falta da palavra fosse falta de controle — da mesma forma que a ambiguidade é a falta de certeza. os olhos nunca são ambíguos: veem ou não veem, sempre são acontecimento. não é preciso exigir palavras aos olhos, eles não precisam dizer. são. os olhos me são assustadores. e daí não olho; não quero ver, quero procurar palavras. há como se escutar tudo? porque me parece que acabo falando das mesmas coisas: são sempre declarações. escuto. escuto e lembro. precisei de tempo para me deixar falar. talvez um longo silêncio após a última palavra seja sinal de que não há mais o que se dizer, por mais que isso não signifique que se tenha dito tudo. é sufocante ficar em silêncio, porque sem palavra eu não respiro. a ambiguidade da palavra é o silêncio. mas é que o silêncio é uma forma de dizer.