o apaixonado sofre de memória. não sofre de saudade — ele a sente. o sofrimento não deriva do conteúdo, mas do uso. do acesso. o apaixonado que sofre de memória sofre também de limite. não reconhece que aquilo a que a memória se refere é, antes de mais nada, um aquilo — um objeto que se dá longe no tempo e tardio em distância. e por ser um aquilo é, antes de mais nada, momento. "sinto falta daquilo" quer dizer "sinto falta de algo que esteve lá em mim". ou talvez signifique "sinto falta de mim naquilo". o apaixonado sofre de intensão de memória. momento congelado que retém o ar e pesa. o cenário permanece, mas o momento se foi. intensificar a lembrança é inflamar o corpo e reagir a todo e qualquer fragmento do cenário. "não é como se eu não estivesse aqui". o apaixonado também sofre de ambiguidade. não sabe se é objeto de desejo ou mesmo de saudade. sente falta do olhar sem lembrança que a memória congelou. o apaixonado sofre de sobrancelhas bagunçadas.