reter

atividade repetitiva do pensar. tomar os mesmos caminhos, linhas de pensamento que se camuflam numa necessidade lógica. construir do zero um fantasma, estruturá-lo com palavras, preenchê-lo com significados. ilusões nutridas pelo futuro verbal. artifício mortal, esse, o da linguagem — permitir deslocar-se no tempo. ir para além da desinência. embasar todo um entrelaçamento, solapar as cadeias palavreadas. a linguagem permite a criação, o investimento em um objeto que se cria lá no futuro. mas que distância é essa que a palavra sustenta? extrapola o concreto, viaja a infinitas possibilidades e traz consigo toda a angústia dessa distância. enche. retém. rumina. esvazia. o movimento da minha respiração se repete em ato, palavra e pensamento. erigir um cômodo, ornamentá-lo com as mais belas poesias, as mais belas e sutis palavrações. reter possui uma semântica curiosa: não largar da mão. não abrir mão — dos planos criados pelo futuro do presente do subjuntivo, lá onde a possibilidade ultrapassa a garantia. erigir tal cômodo e esquecer que a porta não tem maçaneta nem chave. ela simplesmente se encerra. sensação de enclausuramento dentro de e entre as palavras. o modo verbal é o problema da ilusão. confunde-se o futuro do presente — do indicativo ou do subjuntivo? eis aí todo o mal da ilusão: a confusão do modo. e acontece nas entrelinhas. nos entredizeres. naquela palavra que não se diz, ou naquela pergunta que no final das contas só serve para ser respondida. e se encerra. esse medo de se entregar encontra amparo nas palavras. antes de me jogar de cabeça, já preenchi todo um oceano de significações para amortecer minha queda. quem dera o problema fosse me jogar ou cair. o problema é que é difícil nadar em palavras. não são como água, que respeitam o limite corporal da epiderme. tais palavras amarram os braços, rasgam as pernas, impedem a respiração. um mar enfurecido que deveria tão-só ser amparo. num entrave delirante, as duas personagens batalham entre si. eu: dom quixote. ela: palavra.