sonhei que as palavras se foram. o mundo mantinha sua existência mesmo sem nomes. as coisas eram naturalmente sem nome. percebi que elas, desnudas, movimentavam-se. a atribuição de um nome pressupunha a atribuição de uma essência: nome-coisa. a confusão entre o signo e a coisa desfizera-se completamente naquele instante. potência. costuma-se achar que o desconhecimento dos nomes é sinônimo de fraqueza, de impotência, de medo. o sonho mostrara-me que o olhos são cegados quando um nome é "descoberto". fora algum nome um dia descoberto? ora, esquece-se que os nomes são convenções. num sonho habitado por mim e por um mundo virgem da palavra, não era preciso afirmar uma convenção. fazê-lo seria sufocar a pluralidade e a autenticidade do mundo. inventar um nome é sempre apreender um momento, um vislumbre de uma configuração que se expressa em imagens e tomá-lo como a própria coisa. nomear é matar com a ilusão de um nascimento — nasce o nome, morre o tempo. a representação passa a preceder a experiência, o corporal, a vida. quando falta palavras ao fraco, ele se lamenta e dá ao desconhecido a qualidade de desconhecível, inconcebível. atém-se aos nomes, douta-se em letras, tem sua percepção interditada pelo acúmulo de signos. recorre às palavras para perseguir lembranças. ilude-se quem usa o mesmo nome duas vezes, como se a coisa fosse uma: palavra congelada. um mundo sem nomes fora para mim transbordamento de vida. as palavras, ora tidas como pontes, revelaram-se muros. decidi não erguê-los. decidi não inventar um outro mundo como se os dois fossem o mesmo. inventar infinitas palavras para tal mundo seria em vão: seriam formas sem conteúdo; desapareceriam, elas e o mundo, no ato de acordar. escolhi, então, tocar, cheirar, ouvir, sentir, viver. vivi brevemente sem a preocupação do esquecimento. despertei.
