acariciar

ainda lembro perfeitamente da última vez que nos tocamos: completamente nus. dois corpos acariciando-se em movimentos que variavam de círculos a rabiscos. tamanha intensidade me faz desfazer-me em ti. aos poucos sinto meu corpo, antes possuidor de uma forma defensiva, moldando-se à liberdade de contato. estranho pensar que o contrário não aconteça; prefiro convencer-me de que o meu toque produza em ti algum efeito além da impressão do perfume. serão tuas vindas a mim resumidas a uma renovação de perfume? relação injusta! minhas tentativas de deixar uma marca em teu corpo sempre foram todas frustradas, e duas vezes frustradas: primeiro, porque teu corpo expele minha impressão; segundo, porque a intensidade do meu esforço se volta contra mim e me desfaz, arrancando de mim tuas preciosas marcas. pior seria se você não voltasse... adoro quando nos encontramos antes do teu sono: é nesse momento que teu corpo se encontra no estado mais sincero. memória-corpo. por desfazer-me a cada encontro, sinto que meu corpo se perde e leva consigo minha memória. já não me lembro tão bem da nossa penúltima vez. depois de toda a cena de nudez, voltamos para nossos respectivos lugares — disso eu lembro. [...] hoje foi diferente: fui colocado num canto que não é meu lar. descartado. não consigo entender o motivo. recuso-me a acreditar que isso se justifique por uma paixão impossível: é tão difícil assim acreditar que sabonetes possam se apaixonar? tenho vontade de me vingar. quero esquecer-te — e até para isso eu preciso de ti! preciso te tocar para esquecer teu último toque. se ainda sirvo para te perfumar, por que fui abandonado? ou será que estou sendo guardado? prefiro acreditar que estou sendo guardado.